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Paulo Francis: o maior anti-herói do jornalismo brasileiro

Esse texto começa com uma autocrítica feroz: aconteceu comigo, acontece com outros estudantes e, infelizmente, é mais comum do que se pensa. Antes de introduzir o assunto central, é necessário fazer uma ressalva: se você faz jornalismo e se ofende com facilidade, pare por aqui! As próximas linhas são fruto de experiência real. Todos os estereótipos descritos nesse texto são ou já foram aplicáveis ao próprio autor.

 

Atualmente, nas faculdades de jornalismo fala-se de tudo. Menos de jornalismo. Formam-se hordas de militantes e aspirantes a celebridades, aptos a debater sobre qualquer coisa (triste síndrome dos nossos tempos), mas incapazes de citar sem pesquisar no Google, o nome de três ou quatro grandes nomes do ofício no Brasil. Não falo no mundo, pois aí já seria covardia. Essa gente formada para ganhar discussões na internet, fazer militância ou ascender socialmente é capaz de citar, no máximo, alguns nomes midiáticos como Willian Bonner e Pedro Bial ou nulidades como Leonardo Sakamoto e Felipe Moura Brasil. Gritam, em uníssono, bordões politicamente corretos, advogam em prol de uma liberdade que não sabem muito bem explicar e lutam por causas das quais não compreendem nem as premissas.

 

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Leonardo Sakamoto, um dos ícones do "jornalismo" atual

Leonardo Sakamoto, um dos ícones do “jornalismo” atual

 

Mal sabem explicar o que acontece nas próprias vidas e já são impelidos a atacar ou defender o governo, explicar a crise humanitária na Europa e escolher uma causa para chamar de sua. Não é de se estranhar que muitos acabem optando pelo jornalismo esportivo e, mesmo lá, terminem por se especializar em cobrir futebol. Antes que as pedras cheguem: gosto de esportes, sou fã de futebol, mas não consigo deixo de notar que os recém-formados estão mais para Neto do que para Eduardo Galeano. Nelson Rodrigues era capaz de transformar uma simples partida em um evento épico, capaz de demonstrar todas as qualidades e defeitos da alma humana. O futebol era plano de fundo para algo maior: o próprio ser humano.

 

Mas, a questão não é exclusividade dos jornalistas. São milhares de publicitários incapazes de citar um grande redator ou uma agência de renome. Não é de se espantar que nomes como Geneton Moraes e Paulo Francis sejam quase desconhecidos entre a grande massa de aspirantes a repórter da Folha ou do Estadão.

 

E a partir desse instante, o enfoque do texto será no último citado, considerado por alguns como o maior polemista que o Brasil já viu.

 

Pretendo seguir abordando grandes nomes da cultura e da história do Brasil que, por algum motivo, foram (e são) sumariamente ignorados pela maior parte da população. A famigerada “memória curta” do brasileiro faz vítimas em nossa própria cultura.

 

Quem era Paulo Francis?

 

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Admirado e odiado pela esquerda e pela direita, Franz Paul Trannin da Matta Heilborn (ou simplesmente Paulo Francis) foi uma exceção. Desde o começo, como crítico de teatro, até o fim como jornalista não poupou ninguém de suas críticas duras. Nem mesmo amigos de longa data, como o cineasta Glauber Rocha. De acordo com a afinidade, Francis subia ou descia o tom. Em comum, sempre o bom gosto na escolha das palavras e expressões. Homem de cultura rara e leitor ávido, Paulo Francis fazia da polêmica, diversão. E da diversão, arte.

 

Antes de prosseguir, uma ressalva: Paulo Francis não era o tipo de colunista que fazia a polêmica “por fazer”. Era um jornalista de personalidade forte que, por carregar a responsabilidade de falar sobre assuntos tão distintos quanto à história da União Soviética e o ganhador do último Oscar, acabava comprando briga com tudo e com todos. A polêmica era mera consequência da qualidade com que defendia seus pontos de vista. Se hoje, aqui como alhures, colunistas de revistas renomadas brigam pelo seu espólio (através de debates inócuos e criando caso sobre tudo), as coisas para ele soavam naturalmente.

 

Na política iniciou na esquerda com duras críticas à política americana e ao Capitalismo. Foi trotskista e acreditou piamente na utopia comunista. Mas, ao mesmo tempo, foi um dos primeiros brasileiros a denunciar os males do stalinismo. Paulo Francis era assim: capaz de dizer num dia e desdizer no outro, com a mesma ênfase. Um de seus aforismos mais geniais resume bem essa ideia:

 

“Qualquer pessoas inteligente é contraditória. Só gente burra não se contradiz”.

 

Posteriormente, foi se inclinando para a direita. Desiludiu-se de vez com o socialismo e com a social-democracia e passou a ser um liberal, quase conservador. E, apesar do tom, defendeu a legalização do uso de drogas, que a seu ver eram um mal menor. Como crítico cultural, não poupou nem mesmo as “vacas sagradas” da cultura brasileira. Caetano, Chico Buarque e até mesmo Nelson Rodrigues foram, assim como tantos outros, seus alvos.

 

Nascido em uma época em que os bons escritores eram regra (e não exceção) no Brasil, Francis colaborou com os veículos mais importantes do seu tempo. N’O Pasquim, acompanhado de nomes como Millôr Fernandes, Ivan Lessa, Henfil e Ruy Castro, ele teve a liberdade e a repercussão que precisava para ganhar notoriedade. De Nova York, se dava ao luxo de ironizar a Ditadura brasileira, denunciar as extravagâncias do modo de vida americano e fazer críticas que até hoje soam de uma atualidade assustadora.

 

Sobre o mundo das celebridades, que acompanhava de perto – apesar de um profundo desprezo, escreveu:

 

“Todas as noites, vários graus abaixo de zero, centenas de pessoas se aglomeram em frente ao Studio 54, pedindo ‘pelo amor de Deus’ a Steve Rubell que lhes dê uma chance de se prostituírem junto às celebridades ou, no mínimo, serem fotografadas. Isso nos diz bastante sobre a sociedade americana. É uma sociedade cujo único valor é a notoriedade. (…) Revistas do tipo People, New Yorker etc., atestam o fenômeno que reflete uma total corrupção e uma subserviência completa em face dos que darwinianamente sobreviveram no mar de lama, criaturas da lama, mas perfumadas. ‘Falem mal de mim, desde que falem’, é a moral dessa sociedade. (…) As celebridades vendem jornais. Vender é a palavra-chave. Tudo está à venda neste país, o mais vendido do mundo”.

 

Escrito em 1978 e mais atual do que nunca, o trecho acima nos dá uma noção de quem era Paulo Francis, uma pessoa capaz de acertar ou de errar sempre por muito. O meio termo, o politicamente correto e o agrado a quem quer que seja não faziam parte da sua agenda. Nasceu, viveu e morreu assim.

 

Um processo por calúnia foi movido contra ele pelos diretores da Petrobras de então após ter noticiado que esses mesmos diretores levavam propina em cima das obras da petrolífera – que hoje, quase 20 anos depois, foram confirmadas como verdadeiras. Francis morreu sem ver a maior crise da história do jornalismo tupiniquim.

 

Link Youtube | Paulo Francis e a Petrobras

 

“Dizem que ofendo as pessoas. É um erro. Trato as pessoas como adultas. Critico-as. É tão incomum isso na nossa imprensa que as pessoas acham que é ofensa. Crítica não é raiva. É crítica”.

 

Se estivesse vivo provavelmente continuaria na linha de frente. Na TV ou nos jornais, denunciaria a blogosfera paga a soldo estatal para defender o indefensável; faria chacota de pseudo-humoristas que sobrevivem graças ao patrocínio do Estado; e, muito provavelmente, seria um dos maiores críticos da forma rasteira como se comporta nossa imprensa e os nossos colunistas.

 

Na direita política, seria difícil pensar que ele pouparia formadores de opinião que não tivessem uma erudição no mínimo comparável à dele. Na cultura, faria picadinho dos atuais críticos e seus textos prontos, sempre dispostos a afagar e a promover bandas e artistas de acordo com seus patrocinadores. Francis sempre prezou pela independência, ainda que ela viesse a lhe custar caro demais. Uma escolha ousada, mas que lhe conferia um artigo tão raro nos jornalistas de hoje: credibilidade.

 

O jornalismo brasileiro sente falta de um colunista que nunca precisou de polemismo barato ou de verba estatal. Hoje temos um debate cada vez mais raso e, salvo raras exceções, nossos formadores de opinião sobrevivem de defender ou bater no governo, sem qualquer pingo de autocrítica. A imprensa é cada vez mais subserviente, os textos são vergonhosos e o jornalismo virou uma caricatura daquilo que já foi um dia. A Petrobras ganhou a queda de braço. Francis foi enterrado e a cultura nacional segue à deriva. Como consolação, aquele que talvez tenha sido o seu aforismo mais genial:

 

“Talvez o Brasil já tenha acabado e a gente não tenha se dado conta disso”.

 

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O post Paulo Francis: o maior anti-herói do jornalismo brasileiro apareceu primeiro em Feedback Magazine.


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