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Prostituição: uma volta pelo lado selvagem

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Meretriz, rameira, cortesã, quenga, messalina, piranha, puta, biscate, roda-bolsinha, mulher da vida, profissional do sexo, garota de programa… Os adjetivos são muitos e todos eles servem para designar uma categoria: as prostitutas.

 

O senso comum nos diz que a prostituição é a “profissão mais antiga do mundo”. Contudo, não há nenhum registro histórico ou antropológico que comprove a afirmação. Sabe-se, entretanto, que a troca de favores sexuais era tido como um rito de iniciação, que marcava a saída da infância e a entrada na puberdade das garotas de muitas das culturas antigas.

 

No Egito e nas civilizações da região mesopotâmica as prostitutas eram consideradas sacerdotisas poderosas e recebiam grandes honrarias, conferidas às divindades, em troca de sexo. Já nas sociedades grega e romana, as meretrizes eram muito admiradas, porém, pagavam pesados impostos ao Estado, além de serem obrigadas a portar uma vestimenta que as identificassem sob pena de serem castigadas severamente.

 

O triunfo de Zéfiro e Flora, de Giovanni Battista Tiepolo

O triunfo de Zéfiro e Flora, de Giovanni Battista Tiepolo

 

A situação de admiração se alterou com a chegada da Idade Média e da forte influência da recém-criada Igreja Católica. A moral cristã, aplicada com o uso de dogmas, tradições e textos bíblicos passou a comandar a vida das pessoas que foram influenciadas a ver nas prostitutas a grande causa do surto de doenças sexualmente transmissíveis que acometeu a Europa nesse período. O sexo fácil, sem compromisso, foi demonizado e em seu lugar, o casamento cortês, realizado nos templos e com enorme influência política, passou a ser visto como o único caminho “limpo” para a prática sexual sem culpa e com um único propósito: gerar descendentes. A busca pelo prazer foi abolida de vez.

 

Essa é a lógica que prevalece até os dias atuais, embora alguns avanços mereçam ser destacados. A psicanálise, criada por Sigmund Freud deu início aos estudos mais profundos sobre a sexualidade que, sem dúvida, influenciaram as pesquisas do entomologista e zoólogo americano Alfred Kinsey, criador do “Instituto Kinsey para Pesquisa sobre Sexo, Gênero e Reprodução” e considerado um dos grandes responsáveis pela chamada “Revolução Sexual”, ocorrida a partir dos anos 60.

 

Entretanto, nem mesmo Freud ou Kinsey conseguiram vencer a “moralidade cristã”. Na maioria dos países, a prostituição ainda é considerada um crime. Dos 193 países membros da ONU (Organização das Nações Unidas), somente 19, além de um estado americano e três australianos admitem a prostituição de forma legalizada e regulamentada. São eles: México, Panamá, Venezuela, Colômbia, Equador, Peru, Bolívia, Paraguai, Uruguai, Senegal, Turquia, Alemanha, Holanda, Hungria, Áustria, Suíça, Letônia, Bangladesh, Nova Zelândia, além dos estados de Nevada (EUA), Queensland, Nova Gales do Sul e Victoria (Austrália).

 

Red Light District, a mais famosa zona de baixo meretrício, em Amsterdã

Red Light District, a mais famosa zona de baixo meretrício, em Amsterdã

 

O Brasil avançou nessa questão. O país regularizou a ocupação de “profissional do sexo” (como consta no Catálogo Brasileiro de Ocupações – CBO/2010, sob o código 5198-05), mas ainda criminaliza as atividades organizadas, os chamados “prostíbulos” ou “zonas de baixo meretrício”. A saída encontrada é a busca por um alvará de boate, bar ou pousada.

 

Em Viçosa, interior de Minas Gerais, uma dessas “pousadas” é a popularmente chamada de “Alcântara”. E mesmo não possuindo nenhuma placa de identificação, todos os viçosenses sabem o que lá acontece. A cor de sua fachada também ajudou a dar outro apelido: a “casa amarela”. Apesar da pintura, os sinais de que a edificação é antiga são notados logo em sua entrada. Um portão simples separa a rua das escadarias que leva ao salão principal.

 

Alcântara, Viçosa. Foto de Ítalo Stephan

Alcântara, Viçosa. Foto de Ítalo Stephan

 

Por dentro o local se mostra ainda mais degradado. A parede pintada num tom azul-piscina não dá conta de esconder a sujeira e a umidade. Mesmo sendo proibida a entrada nos quartos, uma porta aberta revelava um local pequeno, com uma cama de casal com roupas de cama brancas, desarrumadas, onde descansava uma garota após terminar seu programa.

 

De dentro de uma salinha aparece Mel* , avisando que ali a entrevista aconteceria de forma mais tranquila. O local era minúsculo, decorado com mesas brancas de plástico e três cadeiras, comumente encontradas em bares e lanchonetes.

 

Mel é alta, bastante alta. Tem 30 anos. Os cabelos escuros e levemente oleosos lhe caem nos ombros. Trajava calça jeans, blusa com estampa de pele de onça. Não usava sutiã. Com certeza, uma estratégia para estimular os clientes. Os seios eram grandes, mas devido a sua altura, aparentavam o contrário. O frio da tarde era combatido com uma jaqueta branca, que também servia para esconder o fato de ela estar um pouco acima do peso. Nos pés, um desses calçados comuns, uma espécie de tamanco, na cor bege, com um pequeno salto. Não usava maquiagem. Nem batom. Nem esmalte. Talvez isso conferisse a Mel uma aparência cansada, desleixada.

 

Já acomodada, Mel não mostrava nervosismo. O único momento de desconforto se deu quando algumas das outras mulheres do local passaram a atrapalhar a entrevista, com frases do tipo: “o que não se faz por umas ‘verdinhas’, hein?” O forte sotaque de Mel denotava que ela não era de Viçosa. O que de fato foi confirmado logo no início da entrevista: era de Itaperuna, município do Rio de Janeiro.

 

De acordo com Mel, há uma grande manipulação em torno do motivo que leva tantas mulheres a procurar a vida de prostituta. Segundo ela, quase a totalidade entra nessa vida porque quer. Não há exploração.

 

A maioria entra por causa do dinheiro, para sustentar seu vício em drogas

 

Ela mesma não admite culpar ninguém por ter deixado a profissão de costureira e ter se tornado uma profissional do sexo. Mel disse que entrou pela atrativa condição financeira. E, ao contrário das colegas, o dinheiro ganho não é investido em coisas ilícitas. Ela não fuma, não bebe e nem faz uso de qualquer tipo de droga. Tudo que ganha é para sua própria sobrevivência. E apenas isso.

 

O que talvez a tenha impedido de ser apenas mais uma nas estatísticas que associam prostituição e consumo de drogas, foi o fato de ter começado já “velha”: aos 27 anos. Há apenas três anos se dedica a trocar sexo por dinheiro. E em momento algum se mostra arrependida.

 

Mesmo tendo um filho, fruto de um relacionamento com um empresário evangélico da cidade natal, ela afirma que não trocaria de profissão. Não se vê como dona de casa, dependendo do dinheiro ganho por um homem.

 

Depender de homem é muito ruim. A mulher tem que ser independente. E como não há trabalho bom, que pague bem, a gente se vira como pode.”

 

A clientela é diversificada. “Aqui vem homens de todos os tipos: ricos, pobres, limpos, sujos. Mas o tipo que mais aparece são os coronéis”, brinca. Segundo Mel, há dois motivos que levam os homens a procurar o serviço de uma prostituta: os problemas em seus casamentos e a “safadeza”, típica dos homens, como ela gosta de frisar. E para cada um desses, ela age de um jeito diferente: “nessas horas, temos que ser verdadeiras atrizes”, explica.

 

No “Alcântara” trabalham, em média, seis ou sete mulheres. Há períodos em que são vistas 10 ou até mesmo 12 garotas. Lá não vigora o regime de “cárcere privado”. Entra quem quer, sai a hora que quiser. A única exigência feita pelo casal que gerencia o lugar é o pagamento pelo uso do quarto. Por cada programa realizado, um pagamento. Logo, cinco programas, paga-se cinco vezes pelo uso do cubículo.

 

Alcântara, Viçosa, por outro ângulo. Foto de Ítalo Stephan

Alcântara, Viçosa, por outro ângulo. Foto de Ítalo Stephan

 

Amizade e amor são dois assuntos que desconfortam Mel. Segundo seu relato, ela teve de abrir mão de qualquer tipo de apego. Acabou perdendo a companhia das antigas companheiras e até mesmo a atenção do filho.

 

Gosto do meu filho, mas não morro de saudades dele não. Eu o visito, nos falamos pelo telefone, mas tive de me desligar dele para seguir nessa vida. É o jeito”.

 

E mesmo dentro da casa ela não se sente acompanhada. Afirma que se dá bem com a maioria das garotas, mas amizade mesmo é muito difícil.

 

O ambiente é muito pesado e aqui é cada uma por si”.

 

Passados três anos, ela ainda se lembra de seu primeiro programa. Disse não ter sentido nada de diferente e nem mesmo ter ficado acanhada. “Não foi nada de diferente do que já fazia quando saía para as festas”, disse. Nesse momento, Mel se cala e coloca-se a pensar. Em seguida, solta: “Pensando agora, como fui burra! Se eu tivesse cobrado por todas as vezes que me deitei com um homem, agora estaria rica!”, gargalha.

 

Dinheiro. Esse é o real motivo da busca pela prostituição. E no caso de Mel ele já tem um destino certo. Ela acaba de adquirir um apartamento no valor de 50 mil reais. Enquanto não termina o pagamento, aluga-o. E finaliza: “depois desse, quero comprar outro e viver com o aluguel dele”. Essa é a única forma vista por ela para deixar a vida “fácil” e seguir a rotina comum da grande maioria das mulheres.

 

Link Youtube | Lou Reed – Walk On The Wild Side

 
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*Nome alterado a pedido da entrevistada para preservar sua imagem

 

Nota do Editor: a reportagem acima foi originalmente redigida em 2011 para a disciplina de Redação em Jornalismo da Universidade Federal de Viçosa e não representa a opinião do autor.

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